Depois do dia terrível que tenho tinha tido estava decidida a ficar em casa.
Não via a hora de me esticar no sofá espezinhada rodeada dos gatos, quando recebo um telefonema de uma amiga para ir ter com ela. Confesso que essa ideia não me agradava nada, mas vendo a necessidade dela de desabafar não tive coragem de lhe virar as costas.
Como não estamos juntas com frequência (o telefone serve para algumas confidências), achei que deveria levar alguma coisa às pestinhas aos putos. O problema é que não tinha nada para eles, quer dizer achava eu, mas o maridão disse-me "porque não levas uma embalagem de Milka?"
Acredito que aquelas palavras lhe tenham saído sem pensar e que se tenha arrependido logo de seguida, sim porque para um guloso do tamanho do mundo oferecer algo que adora não deve de ser muito fácil.
Antes que me mandasse ao hipermercado, agarrei no pacote de Choco Moooo e nuns folhetos de desconto e saí.
Achei graça aos putos quando viram o pacote e disseram "olha a vaca lilás". Ficaram sossegadinhos a devorarem as bolachas enquanto nós conversávamos.
O assunto era sério...O banco ia ficar-lhe com a casa.
Eu sabia que financeiramente as coisas não estavam bem, mas ainda assim foi um choque saber que ia ficar sem casa. Falou sobre as dividas que ela e o marido foram acumulando ao longo dos anos que foram casados, o divórcio e a perda de emprego dela.
Na altura do divórcio ela decidiu ficar na casa, já que tinha sido construída no terreno que os pais lhe deram, praticamente pegada à deles e construída com a muita ajuda deles.
Agora o drama maior não era ficar sem casa, mas contar aos pais que aquela casa que eles tinham ajudado a construir e aquele terreno que lhe tinham dado iria ser do banco. Estava desesperada, pois para os pais o divórcio já tinha sido um desgosto e agora achava que a mãe não ia resistir a ver outras pessoas a viverem na casa que tinha sido da filha.
Compreendo perfeitamente a angustia dela e até me arrepio de imaginar estar no lugar dela.
Ela tem a noção de que tanto ela como o marido deram passos maior do que as pernas e que mesmo que não tivesse perdido o emprego a situação seria igualmente catastrófica.
Contou-me que levou muito tempo até aceitar que estava a ficar pobre, tanto mais que deixou de pagar a casa e continuou a pagar o colégio e as actividades dos putos (futebol, musica, piscina, etc), continuou a ir jantar fora com os amigos, continuou a ir à cabeleireira todas as semanas (e diga-se, bem cara), continuou a ter "senhora das limpezas" e continuou a "sustentar" um carro que bebe mais que um bêbado (palavras dela).
Confessou-me que durante anos viveu de aparências e para as aparências.
Nada que cá em casa muitas algumas vezes não o comentássemos.
No final, agradeceu por eu a ouvir, segundo ela estava mais leve e capaz de enfrentar os pais. Também não me parece que tenha outra alternativa.
Que lhe poderia dizer?
Que tinham sido irresponsáveis?
Que tinham vivido acima das possibilidades?
Que tinham tido as prioridades trocadas?
Que os jantares, as actividades dos putos, o carrão (XPTO), que o cabeleireiro, a empregada de limpeza, as férias pagas a crédito e as roupas de marca eram coisas segundarias?
Não valia a pena...ela sabia e apenas queria desabafar e eu como amiga estava ali para a ouvir.
Tanto que necessito de tranquilidade sinto-me...triste, angustiada e ansiosa (para saber o desfecho destas vidas).